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Notícias 06 Agosto 2018

Você sabia? Existe um Índice de Qualidade de Morte. E o Brasil vai mal.

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Sem dúvidas, este é um bom assunto para inaugurar o Blog Queridos para Sempre, sobre as novidades e tendências do setor. (facebook.com/queridosparasempre). A falta de atenção aos cuidados de saúde no Brasil é notícia em todos os jornais. Mas a falta de cuidados paliativos para quem não tem mais chance de cura coloca o país nas últimas posições em ranking sobre piores lugares para morrer. Objetivo dos cuidados paliativos é amenizar a dor e o sofrimento de pacientes terminais e de suas famílias. Veja o artigo da Folha de Londrina.

O Brasil não é um bom lugar para morrer. O tabu em torno do fim da vida e a cultura que incentiva o investimento em incansáveis tentativas de prolongar a existência de quem já está em estado terminal são fatores que influenciam a chamada qualidade de morte no País. Médicos e profissionais de saúde ouvidos pela reportagem da FOLHA DE LONDRINA admitem que a adoção de cuidados curativos em vez dos chamados cuidados paliativos apenas prolongam o sofrimento de doentes terminais e suas famílias, sem oferta de possibilidade de sobrevida com qualidade.

A percepção de quem trabalha na área reforça pesquisa publicada no início da década pela "The Economist". A publicação inglesa investigou sobre a qualidade morte em 40 países a partir de critérios como número de leitos, oferta de cuidados paliativos e formação de profissionais em relação a isso. No ranking, o Brasil ficou em 38º lugar.

O médico cirurgião César Bortoluzo, especializado em gestão de saúde e líder executivo da empresa Delphos, no Rio de Janeiro, trabalha com gestão de hospitais e instituições de saúde para melhorar a qualidade, a segurança e a eficiência da assistência aos pacientes. Um dos focos do atendimento prevê a oferta de cuidados paliativos a doentes terminais, o que nem sempre é bem aceito pelas equipes médicas.

 

"No Brasil, a tradição cristã e católica mais arraigada leva a uma reação negativa perante a situação de morte, uma não aceitação do fim da vida. Esse é o ponto principal a se trabalhar, porque os profissionais também estão nessa cultura e muitas vezes espera-se que eles não cedam ao fato inexorável de que todos nós vamos morrer", analisa.

 

Tal contexto traz como consequência o prolongamento da dor e do sofrimento de pacientes terminais e suas famílias, submetidos a procedimentos invasivos que buscam o diagnóstico e a cura de quem não tem mais chances de superar a doença.

"Os profissionais são levados à obstinação diagnóstica e terapêutica por cobranças externas e, muitas vezes, por eles próprios não aceitarem que o paciente vai morrer. O conceito de cuidados paliativos vem dessa necessidade de entender que em determinadas situações não há mais volta, mas que o tempo até a morte, se ficarmos buscando milagres terapêuticos, causa sofrimento muito grande ao paciente e à família", pondera.

Ele aponta que uma das maiores necessidades para reverter a posição do Brasil no ranking da qualidade de morte é a capacitação dos profissionais para lidarem com o fim da vida. "A disciplina não é comum nas faculdades de medicina, mas de uns tempos para cá o ambiente para discutir o assunto está bastante favorável. As próprias famílias estão entendendo melhor que, quando a pessoa está gravemente doente, uma boa possibilidade é não se fazer mais nada para agredi-la", aponta, destacando que o treinamento dos profissionais é importante até para entender que a falibilidade da vida humana e da ciência existem. "O que podemos fazer? Usar a ciência para dar conforto ao paciente e à família", completa.

Não adotar tratamentos curativos não significa deixar o paciente "morrer à míngua". A adoção dos melhores procedimentos precisa ser debatida com a família, o que demanda uma habilidade não técnica de se colocar no lugar do familiar e saber conduzir a comunicação. Além disso, é preciso preparo para decisões técnicas que podem melhorar a dor e o desconforto respiratório, por exemplo, através de medicamentos e procedimentos. "Dessa forma a morte se torna menos dolorosa e o momento é percebido como menos doloroso também pelos familiares", diz.

 

CUIDADOS FÚTEIS

 

A neurologista Nazah Cherif Mohamad Youssef é conselheira do CRM-PR (Conselho Regional de Medicina do Paraná) e responsável pela câmara técnica de cuidados paliativos da entidade. Ela concorda que a qualidade de morte é ruim no Brasil exatamente porque não há oferta de cuidados paliativos para melhorar a qualidade dos últimos dias de vida. "O paciente recebe cuidados terapêuticos muitas vezes fúteis que apenas prolongam o sofrimento e o levam a morrer longe da família e sem ter os últimos desejos realizados."

A médica enfatiza que os médicos são aptos a reconhecer os casos em que não há mais possibilidade de cura, como o de doenças cardíacas graves, portadores de enfisema pulmonar e pessoas com câncer que não respondem mais ao tratamento, entre outros exemplos. "Isso é um paciente terminal. Nesse caso, a equipe tem que passar dos cuidados terapêuticos para os paliativos, o que inclui analgesia para não sofrer, inseri-lo no ambiente da família, se alimentando como conseguir e quiser", mostra.

Questionada sobre os motivos que levam os profissionais de saúde a negarem a escolha dos cuidados paliativos, ela justifica que, muitas vezes, o paciente é atendido na emergência por um médico que não conhece sua história. "Sofrem também pressão das famílias, que desejam que seja feito 'o máximo' mesmo que não seja o melhor para o doente", diz.

Nazah contrapõe que, apesar de ainda haver um longo caminho a ser percorrido para disseminação dos cuidados paliativos, o assunto tem sido cada vez mais discutido em congressos e outros eventos médicos e, hoje, já é reconhecido como área de atuação tanto pelo Conselho Federal de Medicina como pelas diversas especialidades. "Há um consenso de que os cuidados paliativos são o melhor para pacientes terminais e que o atendimento tem que ser multidisciplinar, o que envolve enfermeiros, psicólogos e assistentes sociais", esclarece.

 

'Nossa época é de negação da morte

 

O interesse de alunos de diferentes cursos de graduação pela disciplina de tanatologia, que o doutor e psicoterapeuta Cloves Amorim oferece no curso de psicologia na PUC de Curitiba, é um bom termômetro para medir o interesse crescente da área de saúde pelo tema do fim da vida. O curso oferece os módulos "a morte e o morrer", "luto", "suicídio" e "cuidados paliativos". "Sempre faltam vagas para atender todos os interessados, porque falta formação na área", acredita.

Especializado em atender pessoas na fase do luto, Amorim afirma que a época atual é de negação da morte. "Tudo o que diz respeito ao assunto tende a ser camuflado, escondido ou negado", afirma ele, lembrando que em outros períodos históricos a morte estava no centro da cultura, como foi o caso do Egito Antigo, suas pirâmides e o Livro dos Mortos. "Com o cristianismo, essa cultura foi reorganizada e, hoje, na sociedade capitalista, morte significa fracasso. Tanto que nos ambientes de saúde ninguém diz que uma pessoa morreu, eles dizem que perderam o paciente", demonstra.

Tal contexto, segundo o professor, afeta a saúde mental na medida em que cria nas pessoas o mito de que a morte pode ser vencida. "O resultado é a adoção de esforços extraordinários através da medicina curativa em um lugar que devia ser ocupado pela medicina paliativa", analisa. Familiares expostos a essa situação vivem a ambiguidade de esperar que "tudo se acabe" e cesse o sofrimento do indivíduo ao mesmo tempo em que alimentam a possibilidade do ente querido ser salvo.

 

LUTO

 

Ao fim do processo, também não é fácil viver o luto. Amorim critica um protocolo do DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais) que, em 2013, passou a prever o luto como doença. "Ocorre que, em 1917, Freud escreveu o livro 'Luto e Melancolia' e, desde então, compreende-se que luto não é doença, é uma experiência que muitas vezes pode ser fértil, produtiva e até provocar ganhos em qualidade de vida", comenta.

Experimentar o luto saudável – em oposição ao luto complicado – começa com a aceitação das características do luto normal, incluindo tristeza, episódios de raiva e culpa, ansiedade, solidão, desamparo, saudade, alívio e sensação de presença da pessoa morta. Além disso, espera-se que a pessoa enlutada, em um período de tempo que pode chegar a um ano – apesar de variar de indivíduo para indivíduo - , seja capaz de cumprir quatro tarefas.

A primeira delas é aceitar a realidade da perda. "No início tem-se a sensação que a morte não aconteceu, que estava sonhando", exemplifica. O próximo passo é processar a dor do luto, lembrando que cada um vive essa fase de um jeito, mas é preciso aprender a assimilar a perda e conviver com a dor.

O terceiro passo é ajustar-se ao mundo sem a pessoa morta, tanto no dia a dia, assumindo tarefas que cabiam a ela, como também em relação a ajustes internos, o que depende do grau de resiliência de cada um. "Nesta fase, é preciso se perguntar: quem sou eu agora?", ensina.

O psicoterapeuta observa que os filhos que perdem pais se definem como órfãos e os cônjuges se tornam viúvos. "Mas ainda não há uma palavra para definir pais que perdem filhos, porque a cultura ainda não conseguiu elaborar um nome para isso", comenta.

A última fase do luto implica em encontrar uma conexão duradoura com a pessoa morta em meio ao início de uma nova vida. "Nessa fase, já é possível lembrar da pessoa sem chorar, pois a dor está contida", define. O especialista defende que não se deve estimular a esquecer quem morreu, "mas guardá-lo no amor e na memória".

 

Carolina Avansini

Folha de Londrina

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