A despedida a entes queridos é sempre dolorosa. Qualquer que seja a origem do morto e da família, todos esperam se despedir da melhor forma possível de quem foi tão importante em suas vidas. A cerimônia do adeus, porém, não tem o mesmo significado para todos os povos e religiões, que têm rituais e crenças diferentes.
Segundo o professor colaborador do Departamento de Antropologia e Museologia da Universidade Federal de Pernambuco (DAM/UFPE) Bartholomeu Figueirôa, o brasileiro criou uma cultura em relação à morte: "Roberto da Matta diz que a pessoa evita falar sobre a morte, mas cuida muito dos mortos. Eles são como agregados à família dos vivos". Conheça abaixo exemplos de despedida.
CANDOMBLÉ - Uma das religiões de matrizes africanas, o candomblé não vê a morte como o fim. De acordo com o babalorixá Marcos de Ossain, "é apenas a continuidade de um ciclo". "A pessoa deixa de ser a matéria, perde a matéria, para se tornar um espírito", explica. A crença da religião é de que, quando nasce, a pessoa é acolhida no Aiê (terra) por um orixá: "É ele quem vai guiar a pessoa, cuidar dela durante a vida, dar o caminho".
Quando a pessoa morre, é realizado um ritual pós-morte, chamado Axexê: "Ele ocorre em etapas; primeiro o corpo é preparado, em uma forma de liberar o espírito da matéria". Segundo Marcos de Ossain, a preparação é feita em uma casa de pai de santo, é sagrada e só conhecida pelos que praticam a religião. Após o desligamento, acontece o velório, no qual cânticos convidam os ancestrais para que eles recebam o novo Egum (espírito), e todos os espíritos são louvados.
Depois do velório, o Ará (corpo) é sepultado. Após um ano da morte, é realizada a renovação da cerimônia, que ainda é repetida com três anos e depois sete. Em caso de morte de pai ou mãe de santo, a cerimônia de louvação dura sete dias após o sepultamento. Neste período, as pessoas se privam de prazeres; não consomem bebida alcóolica nem praticam relações sexuais.
CATOLICISMO - Para a igreja católica, o Dia de Finados tem o significado de lembrar a memória das pessoas que faleceram. Neste dia, os fiéis visitam os cemitérios e realizam celebrações. De acordo com o padre Jacques Trudel, a igreja "reza para que Deus possa acolhê-los na misericórdia". o enterro é normalmente realizado nas 24h que sucedem a morte.
No velório e enterro, que costumam ser no mesmo momento, é celebrada uma missa de corpo presente, com a presença de velas, incenso, água benta e flores. "A incensação é um sinal de veneração, a água serve para lembrar do batismo, a vela representa a vida que vai se queimando, a luz é um sinal de Deus, e o crucifixo é para recordar que Cristo morreu por todos nós e é a luz da ressurreição", explica.
Outro símbolo da fé na igreja é o luto. Segundo o padre, antigamente as pessoas costumavam vestir roupas de cores simbólicas (normalmente preto) para demonstrar que tinham perdido um amigo ou familiar. "É importante para as pessoas que ficam viver o luto e permitir-se o luto, é um momento de partida e de entender que precisamos deixar o outro morrer para viver", explica.
INDÍGENAS - O ritual de despedida dos mortos entre os indígenas varia de acordo com a etnia ou tribo. Na aldeia Pancararu, em Tacaratu, município do Sertão de Pernambuco, distante 450 quilômetros do Recife, o ritual de sepultamento tem a participação de entidades espirituais chamadas de encantados (os praiás). Cobertos da cabeça aos pés, eles saem das matas tocando gaitas e balançando chocalhos. Fazem uma reverência na porta da casa onde o morto está sendo velado, antes de entrar. Dentro da casa, cantam e dançam em volta dos caixões. O praiás acompanham todo o cortejo fúnebre.
JUDAÍSMO - Para os judeus, a morte é uma passagem que representa uma herança que a pessoa deixou para a comunidade e sua família. "A vida, para os judeus, tem um sentido muito forte", diz a diretora científica e curadora do Arquivo Histórico Judaico de Pernambuco, Tânia Kaufman. Segundo ela, não existe céu nem inferno para a cultura do judaísmo.
Para o enterro de um ente judeu, o corpo é preparado e lavado por pessoas especializadas da comunidade, para que ele volte a ser como era quando nasceu, purificado. "A pessoa é vestida com uma túnica branca, independente se é rica ou pobre, e é realizado um velório. Fecha-se a tampa do caixão e ela é sepultada no cemitério judaico", explica Tânia. Antes do funeral, os membros da família do morto rasgam um pedaço de suas próprias roupas, como símbolo do luto.
A simplicidade do enterro judeu deve-se ao conhecimento pela religião de que "a morte é democrática".
MAÇONARIA - Apesar de não ser uma religião, a maçonaria - sociedade secreta de homens - tem rituais próprios que são compartilhados entre as pessoas da ordem. "O sepultamento do irmão é feito de acordo com o desejo da família. Quando os irmãos participam, eles vão ao cemitério vestidos com o avental de maçônico - que varia conforme a ordem e o grau - e cada um deposita um ramo de acácia, que representa a imortalidade", informou a assessoria de imprensa do gabinete do Grão Mestre Daury Ximenes, do Grande Oriente de Pernambuco. O grupo também costuma rodear o caixão do irmão enquanto pede para que ele seja bem recebido na outra vida.
As pessoas que ingressam na maçonaria podem possuir crenças diferentes desde que acreditem em um "supremo arquiteto do universo", que pode ser Deus, Alá, entre outros. Com o mínimo de sete dias após a morte, é realizada a cerimônia das "pompas fúnebres", que é uma reunião feita na loja maçônica, especialmente para homenageá-lo. Essa cerimônia é aberta ao público e com a presença de familiares do morto.
PROTESTANTISMO - Cerimônias fúnebres de protestantes se assemelham às católicas, em que o enterro é acompanhado por uma celebração religiosa (culto). Para eles, o céu e inferno existem, e o julgamento final acontece pela fé que o morto teve na palavra de Deus e pelo amor ao Senhor. Não se utilizam velas, apenas flores, nem há uso de crucifixo.
E como é feita a cremação de corpos ou ossos?
Basicamente, os corpos são colocados em fornos e incinerados a temperaturas altíssimas, fazendo carne, ossos e cabelos evaporarem. Só algumas partículas inorgânicas, como os minerais que compõem o osso, resistem a esse calor para lá de intenso. São esses resíduos que compõem as cinzas, o pozinho que sobra como lembrança dos restos mortais de uma pessoa cremada. "No corpo humano, não existe nenhuma célula que tolere uma temperatura maior que 1 000 ºC. Um calor como esse é suficiente para derreter até metais", afirma o médico legista Carlos Coelho, do Instituto Médico Legal de São Paulo. Apesar da aparência de prática moderna, a cremação é uma tradição de quase 3 mil anos. "Para as religiões do Oriente, queimar o cadáver é uma prática consagrada. O fogo tem uma função purificadora, eliminando os defeitos da pessoa e libertando a alma", diz o perito criminal Ugo Frugoli.
No mundo ocidental, por volta do século 10 a.C., os gregos já queimavam em fogo aberto corpos de soldados mortos na guerra e enviavam as cinza para sua terra natal. Apesar desse histórico, a cremação foi considerada ilegal em várias épocas, principalmente por motivos religiosos. Para os judeus, por exemplo, o corpo não pode ser destruído, pois a alma se separaria dele lentamente durante a decomposição. Já os espíritas pedem que o cadáver não seja incinerado antes de 72 horas - segundo eles, esse é o tempo necessário para a alma se desvincular do corpo. Entre os católicos, evangélicos e protestantes, não há restrições tão severas. No Brasil, a cremação é regulada pela Constituição. Quem quiser ter o cadáver reduzido a pó precisa deixar essa vontade devidamente registrada, com documento assinado por testemunhas e reconhecido em cartório.
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1. O processo de cremação começa quando a pessoa ainda está viva. Não se assuste é que ela precisa registrar em cartório a vontade de ter seu corpo transformado em pó. Em relação a um sepultamento comum, as diferenças aparecem depois do velório, quando o caixão não é levado até a cova, mas para uma sala refrigerada. Em alguns crematórios, um elevador se abre no chão e desce com o corpo até o andar de baixo, onde ficam as geladeiras
2. No subsolo funciona a chamada câmara fria. No crematório de São Paulo, por exemplo, o cômodo gelado é uma sala revestida de azulejos e com isolamento térmico, onde ficam prateleiras metálicas com capacidade para até 4 caixões. Os falecidos passam 24 horas no frio. Nesse período, a família ou a polícia podem requisitar o corpo de volta, no caso de mortes violentas como assassinatos
3. Depois de um dia na geladeira, o cadáver entra em um forno com todas as roupas e ainda dentro do caixão apenas as alças de metal são retiradas. Sustentado por uma bandeja que impede o contato direto com o fogo, o caixão é submetido a uma temperatura de 1 200 ºC. Esse calor faz a madeira do caixão e as células do corpo evaporarem ou volatilizarem, passando direto do estado sólido para o gasoso. O cadáver começa a sumir
4. Depois de até duas horas no forno, apenas partículas inorgânicas como os óxidos de cálcio que formam os ossos resistem à onda de calor. Esses restos são colocados no chamado moinho, uma espécie de liquidificador que tritura os ossos com bolas de metal que chacoalham de um lado para o outro
5. O moinho funciona por cerca de 25 minutos. Depois dessa etapa, as cinzas em pó são guardadas em urnas e entregues à família do morto. No final do processo, uma pessoa de 70 quilos fica reduzida a menos de um quilo de pó. Em uma cidade como São Paulo, uma cremação custa a partir de 105 reais, metade do preço de um enterro simples
Ana Maria Miranda, Cleide Alves e Editora Abril