No mês em que a Independência do Brasil completa 200 anos, historiadores, professores, estudantes e a população podem visitar os cemitérios do Rio de Janeiro, verdadeiros museus a céu aberto, ou pesquisar nos registros digitalizados, para saber mais sobre o estilo de vida dos períodos Colonial, Imperial e da República. Iluministas, abolicionistas e republicanos descansam na antiga capital.
Enquanto os conhecidos fatos que provocaram o 7 de setembro, se desenrolavam em torno do Príncipe e depois Imperador Pedro de Alcântara, na corte as pessoas também morriam de toda sorte (ou nem tanto) de impensáveis "causas naturaes".
Durante todo o período colonial no Brasil, as inumações foram feitas dentro das igrejas, ou, quando muito, em catacumbas próximas. Tal hábito começou a mudar somente com a chegada da Corte portuguesa, fugida de Napoleão, em 1808.
Porém, segundo o escritor Pedro Nava, quase todos os cemitérios do Rio de Janeiro foram abertos depois das hecatombes da febre amarela, a partir de dezembro de 1849. O do Caju é anterior e o mais antigo da cidade. Foi instalado em 1839 por José Clemente Pereira, numa gleba comprada a José Goulart, para enterrar os indigentes e escravos até então sepultados nos terrenos de Santa Luzia, onde se ia erguer o atual hospital da Santa Casa de Misericórdia, no Rio de Janeiro. Foi chamado Campo-Santo do Caju. O primeiro sepultamento aconteceu em 1840.
Caju
Em 1851 o nome foi mudado para Cemitério de São Francisco Xavier. Entretanto, não só persiste a antiga denominação, como ela entrou nas frases feitas quando se dizia — um dia, Pedro, irás para o Caju — ou seja — um dia, Pedro, ai! de ti, também morrerás, e serás enterrado. Naquele ano o campo-santo é ampliado e juntaram-se às terras de José Goulart, as da antiga Fazenda do Murundu, de Baltasar Pinto dos Reis.
Em 1858 desmembra-se o terreno que vai ser o Cemitério da Venerável Ordem Terceira da Penitência e em 1859 o que vai ser o Cemitério da Venerável Ordem Terceira do Carmo. Essa vasta área corresponde, mais ou menos, ao que é hoje limitado pela Avenida Brasil, pelas Ruas Carlos Seidl, Indústria e Monsenhor Manuel Gomes e nela estão os quatro cemitérios [os três citados e o Cemitério Comunal Israelita], fábricas, depósitos e favelas; as ruas novas dos fundos das necrópoles; e o Hospital São Sebastião. Os aterros, em frente, fizeram desaparecer os cais [...]
Assim, todos os grandes acontecimentos desde esse período foram testemunhados pelos cemitérios públicos do Rio de Janeiro. Mortos em combate nas guerras mundiais, nas revoluções ideológicas, nas ações de combate, nos serviços públicos, nas epidemias, nas tragédias, nos braços dos fãs, nos cargos políticos, nos bairros nobres e nos lugares mais humildes, descansam eternamente e, novamente, com dignidade e respeito.
Originalmente, a maior parte dos sepultamentos era de moradores da região norte da cidade e, por ser junto ao bairro de São Cristóvão, muitas personalidades do império ali foram sepultadas ao longo de todo a metade do século XIX. Mas, curiosamente, foi um cidadão francês a primeira pessoa de reconhecida nobreza ali sepultada; Williers de l'Isle de Adam, o Visconde de l'Isle de Adan, um solteiro de 65 anos, falecido na Casa de Saúde do Morro do Livramento em 10 de julho de 1852.
Entre as centenas de capelas e sepulturas notáveis, muitas personalidades que escreveram nossa história descansam no Cajú:
Músicos: Noel Rosa, Tim Maia, Paulo Sérgio, Agepê, Waldick Soriano, Dolores Duran, Emilinha Borba, Orlando Silva, Jamelão, Cartola, Dona Zica, Dona Neuma, Elizeth Cardoso, Ernesto Nazareth, Claudinho, Sinhô, Patápio Silva, Medeiros de Albuquerque...
Atores: Procópio Ferreira, Sérgio Pedro Corrêa de Britto, Zezé Macedo, Pedro de Lara, Wilza Carla, Cláudio Correia e Castro, e Benjamim de Oliveira,primeiro palhaço negro do Brasil, falecido em 30 de maio de 1954.
Médicos, Escritores, Poetas e Benfeitores: Bezerra de Menezes, Cruz e Souza, Artur de Azevedo, Fernando Barbosa Lima, Pedro Nava, Antônio Pereira Passos, Ana Neri...
Autoridades do Império e da República: Manuel Deodoro da Fonseca, Presidente Figueiredo, José Maria da Silva Paranhos Júnior, o Barão do Rio Branco, Souza Aguiar, Mascarenhas de Moraes, Marechal Zenóbio, Marechal Hermes, Henrique Teixeira Lott, Barão de Mangaratiba, José do Patrocínio, Guilherme Capanema, o Barão de Capanema...
Um dos túmulos curiosos é o chamado "Mausoléu dos Integralistas" (na verdade, um ossuário), que abriga os restos dos militantes integralistas mortos durante o Putsch de 11 de maio de 1935.
São João Batista, a Maior Galeria de Art Nouveau
A grande quantidade de túmulos, esculturas e monumentos de diversas temporalidades, materiais e estilos, deram ao São João Batista o título de "maior galeria de Art Nouveau a céu aberto na América Latina".
Inaugurado por Dom Pedro II em 1852, o São João Batista ocupa uma área de 183.123 metros quadrados em plena zona sul do Rio de Janeiro, aos pés do Cristo Redentor. Com centenas de ricos mausoléus e sepulturas adornadas por esculturas, reconhecidas obras da arte tumular brasileira, o cemitério volta a ser “o preferido dos astros e das estrelas”.
O pórtico do cemitério se destaca por ser trabalhado em blocos de belo granito fluminense (Gnaisse Facoidal), encimada pela tarja da emblemática da Santa Casa de Misericórdia. Outro elemento construtivo de caracterização de época é o gradil de ferro monumental, produzido nas fundições fluminenses. No Cemitério São João Batista há elevado número de jazigos - capela de famílias burguesas inspirados nos estilos híbridos do início do século XX, construídos por marmoristas portugueses, italianos e brasileiros. Existem inúmeras obras de artistas que se dedicaram a feitura de esculturas funerárias, como Rodolpho Bernadelli, Octávio Corrêa Lima, Heitor Usai, Celita Vaccani, Leão Veloso e Humberto Cozzo. Destacam-se também obras dos escultores franceses Jean Magrou e Colin George, dos escultores italianos J. Guazzini, B. P. Giusti, Luca Arrighini e A. Canessa. Ali o historiador da arte pode estudar sepulturas inspiradas nos estilos neoclássico, neogótico, art déco, art nouveau, eclético e moderno dotadas de uma tipologia variadíssima de signos antropomorfos, zoomorfos, fitomorfos e de distinção social.
No São João Batista estão sepultadas centenas de personalidades que em vida tiveram destaque nas áreas da política, da ciência, da arte, do esporte e da cultura, como Santos Dumont, José de Alencar, Machado de Assis, Osvaldo Cruz, Vital Brazil, Cândido Portinari, Di Cavalcanti, Oscar Niemeyer, Heitor Villa Lobos, Carlos Drumond de Andrade, Carmem Miranda, Tom Jobim, Vinícius de Moraes, Chacrinha, Clara Nunes, Cazuza, Evaristo da Veiga, nove ex-presidentes da República e diversos membros da nobreza e autoridades do período colonial. Destacam-se, ainda, os incontáveis heróis e militares de todas as armas, que ajudaram a defender e a escrever a história do Brasil.
O São João Batista foi um esforço do imperador para melhorar as condições de salubridade do Rio de Janeiro. Até então, as pessoas eram enterradas nas igrejas e já não havia espaço para tanta gente.
O SJB abriga imponentes Mausoléus, Criptas e Monumentos da Aeronáutica, da Marinha e da Força Expedicionária Brasileira - FEB, além de diversos túmulos que prestam homenagem aos desconhecidos soldados e famosos heróis da nossa pátria. O Mausoléu da Academia Brasileira de Letras abriga cerca de 70 imortais e faz referência ao diversos outros membros que estão enterrados em jazigos de suas famílias nas famosas aléas e jardins do São João Batista.
Considerado o segundo cemitério público carioca, o São João Batista teve sua ocupação iniciada pelos fundos do terreno. Os túmulos e esculturas mais representativas do local estão no eixo central e em mais duas quadras para a direita e duas para a esquerda. Dentro da feição católica da superlotação dos jazigos do Cemitério São João Batista, pode-se visualizar locais distintos destinados a sepulturas do século XIX e do século XX.
O primeiro sepultamento foi da menina Rosaura, filha de um comerciante, em 4 de dezembro de 1852. Até 1855, ocorreram 412 sepultamentos. E, nos anos seguintes, foram realizados os traslados de diversos túmulos provenientes de igrejas e outras pequenas necrópoles, como, por exemplo, dos restos mortais do poeta Álvares de Azevedo, originalmente sepultado em um cemitério da antiga Praia da Saudade, na entrada da Urca, destruído por uma ressaca. O terreno do Cemitério São João Batista era a antiga Chácara Berquó. Posteriormente, outras propriedades foram sucessivamente adquiridas e reunidas para formar a atual área.
Nos cemitérios do Rio de Janeiro estão enterradas personagens de todos os períodos históricos do Brasil:
Reino Unido (1815–1822)
Império e Abolição (1822-1889)
Primeira República (1890-1930)
Era Vargas (1930-1945)
Quarta República (1946-1964)
Ditadura Militar (1964–1985)
Nova República (1985- dias de hoje)
Cemitério dos Ingleses
Durante todo o período colonial no Brasil, as inumações foram feitas dentro das igrejas, ou, quando muito, em catacumbas anexas. [...] Tal hábito começou a declinar com a chegada da Corte portuguesa, fugida de Napoleão, em 1808, e sobretudo com a abertura dos portos às nações amigas, entenda-se Inglaterra. Foi numa encosta do morro da Providência, na Gamboa — o mesmo que, em sua outra face, veria nascer a primeira favela após o desmobilizamento das tropas da guerra de Canudos, sendo por isso também conhecido como morro da Favela —, voltada para o mar, que surgiu o Cemitério dos Ingleses, o primeiro a céu aberto do Rio de Janeiro e um dos primeiros do Brasil.
Pelo Tratado de Amizade e Comércio, assinado entre o príncipe regente D. João e o rei Jorge III, no dia 19 de fevereiro de 1810, ficava permitido "o enterramento de vassalos de Sua Majestade Britânica, que morressem nos territórios de Sua Alteza Real o príncipe Regente de Portugal, em convenientes lugares, que seriam designados para este fim, não se perturbando, de modo algum, por qualquer motivo, os funerais e as sepulturas dos mortos".
O Cemitério dos Ingleses do Rio de Janeiro, inaugurado em 5 de janeiro de 1811 é o mais antigo da cidade e um dos mais antigos do Brasil.
(Do livro de Alexei Bueno, Gamboa, pp. 27-28.)
Cemitério do Catumbi
Inaugurado em 19 de março de 1850, o cemitério de São Francisco de Paula ou cemitério do Catumbi, como é mais conhecido, foi o primeiro do Brasil construído a céu aberto destinado a não-indigentes. Antes, somente religiosos e ricos eram sepultados nas criptas das igrejas.
Na época, devido ao efeito devastador das epidemias na cidade do Rio de Janeiro, principalmente da febre amarela, foi construído com urgência o cemitério pela Ordem Terceira de São Francisco de Paula, com aprovação do Império. O resumo histórico e ilustrado da Ordem atesta a compra do terreno que pertencia ao proprietário Dionísio Orioste tendo sido lavrada em cartório pela Irmandade em 12 de maio de 1849.
De fato, já no primeiro ano, foram sepultados cerca de 3 mil corpos com morte provocada pela epidemia da febre amarela, além de 323 irmãos da Congregação, como atestam os documentos da Ordem. Em seguida foram para lá transladados cerca de 450 restos mortais, na sua maior parte da nobreza brasileira que estavam sepultados na igreja de São Francisco de Paula.
(Do livro de Mauro Matos, Catumbi, um bairro do tempo do império.)
O Histórico Cemitério dos Pretos Novos
No Brasil, até a primeira década do século XIX, os nobres eram sepultados sob os pisos de madeira das igrejas, os mais ricos nos jardins externos, e os pobres e negros escravos continuavam sem lugar definido. Nas principais cidades brasileiras, os negros eram lançados em covas muito rasas e, depois de um tempo, os corpos ficavam expostos ao ar livre, sendo que as pessoas nem se preocupavam com isso, convivendo pacificamente com os odores exalados.
Como descobriram o local escondido da história?
Em uma casa construída no início do século XVIII, na Rua Pedro Ernesto, 36, na Gamboa, seus donos, Merced e Petruccio, resolveram realizar reformas. Durante as escavações, no ano de 1996, acharam um verdadeiro sítio arqueológico enterrado as seus pés.
Embaixo da estrutura do prédio havia um cemitério secular de negros vindos da África, que não resistiam à viagem e morriam antes de serem comercializados - o então desconhecido, Cemitério dos Pretos Novos.
Tem mais: https://cemiteriosdorio.com.br
Projeto Cultural Queridos para Sempre!
O Projeto Cultural Queridos para Sempre! foi criado em 2013, para encantar as pessoas com informações digitalizadas e desenvolver tecnologias que facilitem pesquisas futuras. Respeitando outros eventuais sistemas adotados, um painel é colocado na entrada dos cemitérios com as “atrações locais”, que passam a ser conhecidas não apenas dos que os visitam presencialmente, como também dos milhões de internautas nos sites de busca.
Códigos QRCode, criados para celulares com internet, estão identificando centenas de túmulos escolhidos para o novo roteiro de interesse turístico da cidade. "Um verdadeiro inventário do patrimônio cultural, considerando as personalidades nos diversos setores e segmentos, bem como os respectivos túmulos e suas expressões artísticas e arquitetônicas". O Queridos para Sempre! ajuda a mostrar a responsabilidade dos entes públicos sobre a guarda, restauração e preservação de referências culturais (que no caso da cidade do Rio de Janeiro ganhou especial destaque através do artigo 139 do Decreto de Concessão dos Serviços Cemiteriais. As Concessionárias Rio Pax S.A. e Reviver S.A. adotam o Queridos para Sempre!).
Centro de Livros Cemiteriais – CELICEM
Inaugurado em dezembro de 2017 na sede da Coordenadoria Geral de Controle de Cemitérios e Serviços - CGCS, o Centro de Livros Cemiteriais é operado por profissionais especialistas em arquivo. Depois de recuperados com técnicas de última geração, os centenários livros de registros cemiteriais, que estavam quase perdidos por falta de conservação, são microfilmados e digitalizados, permitindo acesso rápido ao banco de dados. (Rua Maia Lacerda, 167 - Estácio)
O CELICEM – RJ, iniciativa pioneira e aberta ao público, foi totalmente financiada pelas Concessionárias Reviver S.A. e Rio Pax S.A., em cumprimento ao Decreto que mudou a gestão dos cemitérios no Rio.
Foto da Capa: Jazigo Imperial em Petrópolis RJ
O Imperador D. Pedro II transformou os serviços cemiteriais do país.
Quando a preocupação com a higiene passou a ser tema central no império brasileiro, a partir da segunda metade do século XIX, visto que já era uma realidade na Europa, os governos passaram a aderir a esse novo padrão, reorganizando o espaço e a relação dos mortos com os vivos, separando os cemitérios das cidades. Os tradicionais Cemitérios do Cajú e o São João Batista, na capital do império, foram inaugurados por Sua Majestade.
Os restos mortais do imperador D. Pedro II, da imperatriz Tereza Cristina, da princesa Isabel e de seu marido, o conde D'Eu estão na cidade de Petrópolis - RJ. O mausoléu imperial fica na Catedral São Pedro de Alcântara, um dos principais pontos turísticos. Esculpidos em mármore de carrara, os túmulos do imperador e da imperatriz recebem visitas o ano inteiro. Foto: Prefeitura de Petrópolis.
D. Pedro I no Parque da ndependência, em São Paulo.
O maior Mausoléu do país, uma grande estrutura feita de granito e bronze nas margens do riacho do Ipiranga, abriga os restos mortais de Dom Pedro I, primeiro imperador do Brasil e suas duas esposas, a Imperatriz Leopoldina e a Dona Amélia de Leuchtenberg.
Palco do conhecido "Grito do Ipiranga" o parque também abriga o Museu do Ipiranga, totalmente restaurado e com novos espaços para as comemorações do bicentenário do 7 de setembro.
Foto: Monumento à Independência / Igor Rando